segunda-feira, 20 de maio de 2013

Hidrelétricas e esgoto são as maiores ameaças a estuários no Brasil

Estudiosos do rio São Francisco e da Lagoa dos Patos afirmam que ação humana é o fator que mais causa prejuízo aos ecossistemas estuarinos



Estuários estão espalhados por toda a costa brasileira. Muitos ficam em centros de grandes cidades, mas poucas pessoas se dão conta de sua importância ou até mesmo de sua existência. Apesar de serem essenciais para o equilíbrio e o desenvolvimento da fauna aquática, esses ambientes estão muito ameaçados no Brasil.

Esses ambientes são zonas de transição entre o rio e o mar que funcionam como verdadeiros berçários para diversas espécies de animais. Nesse cenário, a ação marinha se sobrepõe à fluvial. Já na foz em delta, quando o rio se desmembra em vários canais no deságue, é o fluxo continental que se sobrepõe ao mar. Mas uma formação não necessariamente impede a existência da outra. Pode haver estuários dentro de deltas.


Alguns dos principais estuários brasileiros são os do rio Amazonas, do São Francisco, a Baía de Guanabara e o da Lagoa dos Patos. Mais da metade da população mundial vive em regiões estuarinas. E toda essa proximidade com a ação humana causa impactos graves nesses ecossistemas. É o caso de um dos mais importantes rios do país, o São Francisco, que hoje tem sua foz ameaçada por barragens, esgotos, desmatamento e, claro, pela construção de novas residências.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, faz um alerta para os perigos. “O que nos preocupa mais, de todas essas ameaças ao estuário, é o avanço da especulação imobiliária. Ela está principalmente do lado de Sergipe, avançando a uma velocidade meteórica”, afirma.

No lado alagoano, o rio é protegido pela área de proteção ambiental de Piaçabuçu, mas nem assim a tranquilidade está garantida. “Há uma ideia de se abrir uma estrada litorânea que adentra a área de proteção e cria uma ponte que impacta o coração do estuário”, critica o dirigente.


Para complicar ainda mais a situação do estuário, a vazão do rio eventualmente precisa ser reduzida pelas hidrelétricas para garantir o fornecimento de energia. Pelo licenciamento ambiental, o fluxo deve ser de 1300 m³ por segundo, mas quando o nível dos reservatórios está menor, as usinas solicitam redução de 200 m³. “Se nas condições de 1300 o estuário já sofre bastante, imagine com 1100”, lamenta.

Com vazão menor, o rio tem menos força no encontro com o mar. Assim, entra pelo estuário mais água oceânica do que o normal, causando desequilíbrio e prejudicando as espécies, segundo Miranda. O assoreamento também é uma consequência do fluxo menor, além da diminuição de nutrientes na água.

“Uma carta da época do descobrimento relata que a mancha de água barrenta do São Francisco, rica em nutrientes, adentrava quilômetros pelo mar. Hoje ocorre exatamente o contrário”, explica o presidente do CBHSF, que chama atenção para o aumento do problema: “Tem mais e mais ameaça da progressão da cunha salina, principalmente com a regulação das vazões. A tendência é o adentramento do oceano cada vez mais. Ele vai ganhando a guerra contra as águas doces do São Francisco.”


Um dos maiores ícones da degradação ambiental da área de deságue do São Francisco é o povoado de Cabeço, que foi destruído pelo avanço das águas marinhas em direção ao estuário. Mas, a despeito dos problemas ambientais, a foz do rio ainda é um local de grande beleza, que atrai turistas.

Adriano Augusto de Araújo Jorge, presidente do Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas, aprova os passeios turísticos no estuário, mas pede legislação e fiscalização mais firmes para impedir instalações como bares e resorts prejudiquem ainda mais o ecossistema. E apesar de dizer preocupado com a vazão reduzida pelas hidrelétricas, ele discorda da tese de que haja avanço de água do mar pelo rio. “Aferições laboratoriais não demonstram isso”, refuta.


Para tentar evitar danos maiores ao meio ambiente, ele afirma que o IMA tem procurado realizar ações de educação ambiental para a população. “Fomos aos locais mostrar à população que está vislumbrando um retorno financeiro com o turismo que ela pode ter, mas que precisa ter consciência ambiental, para não causar danos irreversíveis”, conta Araújo.

O biólogo Marcos Alaniz Rodrigues atenta para o fato que a preservação de estuários está diretamente ligada à preservação de espécies e também de atividades econômicas. Estudioso de outro importante estuário brasileiro, o da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, o especialista alerta para a delicadeza do equilíbrio desses ambientes.

“Muitas espécies de peixes, crustáceos e moluscos usam esses locais como criadouros, porque são mais protegidas dos predadores. Existem vegetações que fornecem abrigo para esses seres até que possam chegar a um tamanho que possam sair”, explica. “Por isso o estuário é tão importante. Existe uma sintonia muito fina”, completa o biólogo. Além do prejuízo ambiental, um mercado também sai perdendo. Em geral, fazendas de criação de camarões ficam localizadas em estuários.

A grande ameaça aos ecossistemas de estuários hoje, segundo Rodrigues, é a ação humana. “Os estuários têm certa capacidade de utilizar os nutrientes para gerar energia. A partir do momento que se tem esgoto, dejetos, rejeitos industriais, acaba-se tendo um efeito justamente contrário. Vem uma alta quantidade de nutrientes que não conseguem ser reciclados e degradam o ambiente”, observa.

O pesquisador afirma que para mitigar o problema basta não despejar esgoto in natura nos rios e lagoas, e pede preservação. “Esse é um ecossistema riquíssimo, que contempla tanto espécies de água doce quanto oceânicas, que passam parte do seu ciclo de vida nesses ambientes”, conclui Rodrigues.






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