Praias do Boqueirão e Bitingui, em Japaratinga.
Foto: Costa dos Corais Convention e Visitors Bureau
Em entrevista exclusiva concedida ao
((o))eco alguns dias antes do início do segundo mandato da presidente Dilma
Rousseff, a ministra Izabella Teixeira apontou a gestão dos sistemas costeiros
e marinhos como um dos grandes desafios do Ministério do Meio Ambiente (MMA) em
2015. O objetivo do governo é realizar ainda este ano o ordenamento da
atividade pesqueira no Brasil, complexa tarefa que tentará equacionar os
interesses do setor pesqueiro industrial, a sustentabilidade da pesca
artesanal, a preservação dos ecossistemas e espécies ameaçados e a recuperação
dos estoques de espécies de alto valor econômico, muitas delas em estado
crítico, segundo a Lista de Espécies da Fauna Brasileira
Ameaçadas de Extinção.
O ordenamento pesqueiro será realizado
pelo MMA e
pelo Ministério
da Pesca e Aquicultura (MPA), em um sistema de gestão compartilhada:
"Vamos colocar o ordenamento pesqueiro em um patamar com bases mais
sólidas e duradouras, para termos resultados tanto em termos de recuperação de
espécies ameaçadas que estão em declínio populacional quanto para a viabilidade
social e econômica da pesca", diz Roberto Galucci, gerente de Recursos
Pesqueiros do MMA. Segundo ele, o ordenamento permitirá "uma gestão
pesqueira pautada no conhecimento científico e no conhecimento tradicional, num
suporte de informações de monitoramento de pesquisa e de contribuição dos
diversos segmentos que estão relacionados à pesca, de pescadores artesanais a
industriais".
O governo aposta que a dificuldade em
aliar interesses díspares será vencida pelo sistema de gestão compartilhada. Há
o desafio de colocar em execução uma série de comitês de gestão da pesca que
serão assessorados por subcomitês científicos: "Por meio desses comitês,
onde participarão tanto o setor industrial quanto o artesanal, além de outras
instituições da sociedade, como, por exemplo, ONGs de meio ambiente, serão
feitas recomendações para as medidas de ordenamento. Com a avaliação por parte
dos subcomitês científicos, essas medidas podem ser recomendadas e encaminhadas
para aprovação dos ministros e posterior publicação", diz Galucci.
Em curto prazo, diz o técnico do MMA,
estão sendo revistas as normas gerais para o funcionamento dos comitês e demais
colegiados do sistema: "Estão sendo revistas também estratégias para
produção de informações e monitoramento que permitam gerar dados para a base
científica de decisão. Nesse sentido, o MPA tem anunciado a retomada da
estatística pesqueira nacional. O MMA, por meio dos centros de pesquisa do Instituto Chico Mendes (ICMBio), vai
continuar avaliando o estado de conservação das espécies marinhas. Outras
medidas, como a produção de dados científicos, são de médio e longo prazo".
"Nos últimos 30 anos muito pouco tem
sido feito pela conservação marinha no Brasil", diz Rodrigo Medeiros,
vice-presidente da Conservação
Internacional Brasil, para quem a ministra "foi muito feliz em
reconhecer esse desafio, já que uma das áreas em que talvez a gente tenha
avançado menos na agenda de conservação do país é a conservação costeira e
marinha". O ambientalista avalia que esta não é uma agenda fácil: "É
uma agenda intrincada que vai requerer que a gente pense em novas formas de
proteção para dar conta do desafio costeiro-marinho. Nesta área está
concentrada mais de 80% da população brasileira, há pressão econômica pela
atividade turística e pelo crescimento das cidades costeiras, mas também por
outras atividades econômicas como a pesca, a carcinicultura, o petróleo, a
mineração costeira, que vai começar forte agora, e todo o transporte de carga.
É preciso desenvolver uma estratégia que dê conta de responder a isso".
Medeiros afirma que, no que diz respeito
às áreas costeiras e marinhas, o Brasil está na contramão dos compromissos
assumidos nas Metas de Aichi de preservação da biodiversidade: "O Brasil
se comprometeu a atingir até 2020 a marca de 17% de território protegido em
área terrestre e 10% em área marinha. No entanto, apenas 2% da nossa costa, de
nosso litoral, é protegido sob alguma forma de Unidade de Conservação.
Realmente é muito pouco, dada a importância da proteção dos ecossistemas
costeiros e marinhos para o enfrentamento às mudanças climáticas", diz.
Zonas de exclusão
O vice-presidente da Conservação
Internacional Brasil considera fundamental o ordenamento da atividade
pesqueira: "O que acontece hoje com a pesca mal planejada, a sobrepesca, o
esgotamento dos estoques pesqueiros e a ameaça aos corais é um caso muito
similar ao que aconteceu na Amazônia há 30 anos. Muito claramente, a gente
precisa, além de uma estratégia de proteção, dialogar com esses diferentes
desafios".
Medeiros diz ser preciso um melhor
conhecimento sobre como é feita a atividade da pesca, seja ela industrial ou
artesanal, e de que maneira o conhecimento sobre os estoques pesqueiros e a
biologia das espécies podem ajudar o país a desenvolver melhores planos de
gestão e de manejo dos estoques: "Dada a escassez de informação e a
situação crítica em que hoje algumas espécies de importância econômica se
encontram no Brasil, teremos que adotar em algumas situações e em alguns
lugares medidas de restrição e até de no
taking zone (não pesca), que
não serão definitivas e permitirão a recuperação dos estoques pesqueiros. Seja
tradicional ou industrial, a pesca vai ter que seguir algumas regras bem
definidas de gestão para garantir tanto a manutenção de uma atividade econômica
relevante quanto a manutenção do estoque".
Áreas de Preservação
Para o Ministério do Meio Ambiente, outro
elemento fundamental para a gestão é a efetiva proteção das áreas de
preservação costeiras e marinhas: "Onde existe estoque de peixes, onde tem
recurso biológico se reproduzindo em estoque, é nas áreas protegidas. É preciso
ampliá-las para proteger a pesca e assegurar o estoque peixeiro", diz a
ministra Izabella Teixeira, citando como exemplo experiências exitosas em Santa
Catarina: "A tainha hoje só é encontrada em Santa Catarina. No Rio de
Janeiro e no Espírito Santo você não pesca mais, acabou. O mesmo com outras
espécies como o congro e o pargo".
Roberto Galucci diz que resultados já
estão sendo obtidos: "As áreas de proteção marinha, seja por meio de
Unidades de Conservação ou áreas de exclusão de pesca, já têm mostrado vários
resultados para a recuperação do estoque pesqueiro, o aumento da produtividade,
a conservação das espécies e a manutenção do equilíbrio ecológico local",
diz. Ele cita como exemplos de "experiências já relatadas e bem sucedidas"
a área de exclusão de pesca da APA Costa dos Corais, no litoral de Alagoas e
Pernambuco, e a Reserva Extrativista Marinha de Corumbau, no litoral da Bahia.
Há também áreas de manejo e proteção de lagos na Amazônia por meio de acordos
de pesca: "Essas áreas são indiscutivelmente importantes e já têm toda uma
comprovação científica em termos de resultados positivos - ambiental, social e
economicamente - para a produção pesqueira".
Galucci não revela quais serão as próximas
UCs marinhas ou costeiras propostas pelo MMA: "O que nós já temos é uma
identificação, que vai ser atualizada, de áreas de importância para a
biodiversidade aquática por meio das Áreas Prioritárias Para Conservação e Uso
Sustentável da Biodiversidade. Isso vai nos indicar áreas de importância, que
poderão ser regulamentadas por meio de medidas de ordenamento. A ideia é compor
com outras medidas que têm de ser discutidas com o MPA, como o controle de
petrechos, as temporadas de pesca e o controle das frotas", diz.
Espécies ameaçadas
As reações contrárias de diversos setores
da pesca nacional às tentativas feitas pelo governo de preservar espécies dá
uma medida das dificuldades inerentes à execução de um ordenamento pesqueiro no
Brasil. Além da habitual pressão exercida pelas empresas de pesca industrial, a
oposição vem também de pescadores artesanais. Logo nos primeiros dias do ano, pescadores bloquearam por 30 horas o canal de entrada para o Porto de
Itajaí (SC) para pedir a retirada de 80 espécies marinhas - de um total de 475
- que tiveram a pesca proibida por uma portaria do MMA.
"Pelo menos 25 embarcações autônomas,
que atendem à indústria da pesca de Itajaí e empregam vários pescadores, terão
de parar se forem impedidas de capturar espécies como cação, cherne e
garoupa", disse, na ocasião, Manoel de Maria, presidente do Sindicato dos
Pescadores de Itajaí. Para por fim à crise, o governo criou um grupo de
trabalho com os pescadores para rediscutir a portaria.
Outra reação emblemática a uma decisão do
governo ocorreu no Amazonas, com a revolta dos pescadores contra a moratória de
cinco anos determinada para a pesca da piracatinga, espécie necrófaga – pouco
consumida no Brasil, mas muito apreciada em outros países da América do Sul -
que é pescada com pedaços de carne de boto, espécie ameaçada de extinção. O
Sindicato dos Pescadores do Amazonas divulgou nota afirmando que a moratória,
que entrou em vigor no primeiro dia do ano, deixaria sem renda cerca de 70 mil
pescadores que vivem da captura de uma média de 15 toneladas anuais de
piracatinga no trecho do Alto Solimões: "Em vez de uma moratória tão
longa, o governo deveria ensinar aos pescadores como pegar a picaratinga sem
matar o boto", diz Ronildo Palmere, presidente do sindicato.
Incluído na Lista de Espécies da Fauna
Brasileira Ameaçadas de Extinção, divulgada pelo governo em dezembro do ano
passado, o boto, segundo o MMA, já teve sua população reduzida em 10% por
influência da pesca da piracatinga. Ao todo, a lista classifica como ameaçados
353 espécies de peixes ósseos (310 de água doce e 43 marinhos) e 55 espécies de
peixes cartilaginosos (54 marinhos e um de água doce). Ao todo, foram
analisados 4.507 peixes, sendo 3.131 de água doce.
"A Lista de Espécies Ameaçadas é um
diagnóstico que visa orientar as políticas de conservação e, principalmente, de
recuperação das espécies que mostram, em um grau maior ou menor, um declínio
populacional. Aquelas que mostraram um declínio maior ou uma maior perda de sua
área original foram classificadas como criticamente ameaçadas e daí em diante,
seguindo as categorias de ameaça. Esse diagnóstico não é o resultado final, ele
é um relatório de uma situação que mostra que é preciso tomar medidas
adicionais por parte do poder público, com o MMA coordenando essas políticas de
recuperação das espécies", diz Galucci.
Fonte: O Ecco acessível
em http://www.oeco.org.br/reportagens/28974-o-desafio-de-melhorar-a-gestao-dos-sistemas-costeiros-e-marinhos
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