Biblioteca especializada em Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande - FURG
segunda-feira, 5 de agosto de 2019
Pesquisa desenvolvida na FURG inova no monitoramento de geleiras
Criação de uma “estação eletrônica de ablação” reinventa o método tradicional de medição do degelo
por Lara Nasi
Pesquisadores perfuram
geleira para inserção de estaca de PVC com profundidade de 12m. É no
entorno desta estaca que fica posicionada a estação de ablação.
O professor orientador do estudo explica porque a pesquisa, que já foi premiada três vezes com o programa de bolsas Google Latin America Research Awards (Lara),
é inovadora: “A forma glaciológica tradicional de medir o derretimento
na superfície das geleiras é baseada na instalação de estacas em
perfurações de profundidade maior que o derretimento estimado para o
período de medição”, relata Arigony. Para isso usam-se materiais como
estacas de bambu ou PVC, que ficam afixadas na geleira até a próxima
medição.
“O problema desse método é que a gente consegue medir o derretimento
da geleira entre uma visita e outra. Na Antártica, só uma vez por ano.
Na Patagônia, mais perto, a gente consegue fazer duas vezes por ano.
Dentro desse grande período de tempo, não se consegue saber quais são as
condições meteorológicas que mais contribuíram para o derretimento das
geleiras, para saber se foi no período de maior temperatura, ou sem
nuvens, por exemplo, e essa foi a grande sacada do equipamento
desenvolvimento pelo Guilherme”, contextualiza. Solução simples para um problema complexo
As geleiras têm ciclos de acúmulo e perda de gelo. A equação pode ser
positiva, quando ganham mais gelo do que perdem, ou negativa, quando
perdem mais gelo do que ganham. Apenas saber o acúmulo de perda ou ganho
de massa de geleira em um ano não permite compreender o que está
influenciando no derretimento das geleiras, que é chamado pelos
cientistas de ablação.
No Laboratório de Monitoramento da Criosfera da FURG (LaCrio),
o grupo de pesquisa de Arigony centra seus esforços em preencher essa
lacuna, de compreender a resposta das áreas cobertas de gelo - como
geleiras, gelo marinho e gelo congelado - às mudanças climáticas. Para
isso, atuam no desenvolvimento de métodos automáticos para o
monitoramento de massas de gelo, e integram o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera).
Com a orientação de Arigony-Neto, os conhecimentos de Guilherme em
computação foram aplicados ao desenvolvimento de um equipamento capaz de
repaginar o método tradicional de medição e produzir dados acurados
sobre as condições meteorológicas que influenciam no derretimento das
geleiras.
Muito mais sofisticado que uma estaca de medição, o mecanismo
funciona com uma haste longa de PVC, de 12 metros. Essa baliza é
introduzida na geleira, assim como no método tradicional. Mas dentro
dela, a cada 15 cm, há sensores de radiofrequência (os mesmos usados em
portas de banco ou sistema de leitura de cartões de transporte
coletivo). A grande inovação fica na superfície da geleira. Envolto à
baliza, há um pequeno tripé. Nele está instalado um leitor movido a
energia solar. Conforme a geleira derrete, o tripé desliza pela haste de
PVC e vai lendo as informações dos sensores. O conjunto é a estação
eletrônica de ablação, o grande invento da pesquisa.
Associada a ela, foi estruturada também uma estação meteorológica
automática. Produzida com baixo custo, ela registra variações de
temperatura, velocidade do vento, pressão atmosférica e umidade do ar.
Assim, é possível cruzar estes dados com o derretimento da geleira.
Foi com estes dois equipamentos nas geleiras do sul da Patagônia, no
Chile, que os pesquisadores puderam se certificar que o calor é
realmente uma forte influência para o degelo. Precisamente, 8
centímetros por dia foi o acelerado ritmo de derretimento em janeiro de
2018. Guilherme observa que é necessário atentar para as características
da geleira em estudo: trata-se de uma geleira temperada, em nível muito
próximo ao do mar, que é muito sensível ao calor. Alta tecnologia a baixo custo
“O equipamento é simples, barato e robusto. Por ser simples, não tem
muito mecanismo. Nesses ambientes, quanto mais simples melhor”,
esclarece Guilherme, sobre a invenção. Os principais critérios levados
em conta para o desenvolvimento foram o baixo custo, a portabilidade,
para poder ser transportado a áreas remotas em que é difícil o acesso, a
autonomia na operação e a precisão nos dados.
Como a baliza que é inserida na geleira tem 12 metros de extensão,
ela é dividida em segmentos, tanto para facilitar o transporte, quanto
para que, à medida que a geleira baixe, a baliza possa ir se desarmando,
para não sofrer pressão do vento. As balizas são feitas de PVC e o
tripé de componentes de fibra de carbono de mastros de windsurf
reciclados. Assim, são leves e baratas. O sistema funciona com um
pequeno painel de luz solar, de 20x30cm. E como há dificuldade para
transmissão remota dos dados, em função da indisponibilidade de redes,
os dados ficam registrados em um cartão de memória. Inovação para o bem comum
A tese de Guilherme, intitulada “Relação entre a ablação da geleira
Schiaparelli e as variáveis meteorológicas locais no período 2013-2018”
foi defendida no fim do mês de junho. Mas para o pesquisador, foi apenas
o início da pesquisa. É que para avaliar o real impacto das mudanças
climáticas são necessárias séries de longo prazo. O período monitorado
na pesquisa de doutorado foi de 440 dias. O objetivo agora é seguir
monitorando as mesmas geleiras por pelo menos uma década.
A estação de ablação, invento de Guilherme com a orientação de
Arigony, não teve depósito de patente. É desenvolvida com código aberto
para que seja replicada e que possa permitir o monitoramento de outras
geleiras, em outras partes do globo. Por isso toda a especificação
técnica, tanto da estação de ablação, quanto da estação meteorológica,
estão disponíveis online, neste site. Além disso, em um paper publicado no periódico científico HardwareX, os pesquisadores descrevem detalhadamente ambas as estações.
No sul da Patagônia, os pesquisadores já trabalham em cooperação com universidades e instituições de pesquisa chilenas (Instituto Antartico Chileno, Fundación CEQUA e Universidad de Magallanes), espanholas(Universidad del País Vasco e Basque Centre for Climate Change), alemã (Humboldt-Universität zu Berlin) e australiana (Macquarie University).
A expectativa é que, somando esforços e diferentes visões, se possa
avançar para compreender melhor o fenômeno e também evitar os impactos
mais catastróficos que a ele estão associados.
À medida que a geleira derrete, o tripé desliza pela estaca de PVC. Os segmentos da haste se desmontam.
O doutorando Guilherme Netto e o orientador, Jorge Arigony, em geleira no sul da Pagatônia
Os dados da estação meteorológica são armazenados em cartão de memória
Guilherme Netto ao lado de uma estação meteorológica produzida na pesquisa.
Pesquisadores perfuram
geleira para inserção de estaca de PVC com profundidade de 12m. É no
entorno desta estaca que fica posicionada a estação de ablação.
Estação eletrônica de ablação é movida a luz solar
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