O Brasil é uma das nações pesqueiras mais produtivas do mundo, mas os
dados básicos sobre volumes desembarcados, que espécies ou quantos
barcos estão em operação são difíceis de obter. Isso porque a última vez
que o governo brasileiro coletou dados em escala nacional sobre suas
pescarias foi há quase uma década. Essa falta de dados ameaça diversos
recursos de importância comercial, espécies ameaçadas de extinção e as
milhões de pessoas que dependem dos oceanos e mares para alimentação e
renda, pela falta de gestão.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO), o Brasil ocupa o 26º lugar no ranking mundial em
captura de peixes na natureza. Cerca de 3,5 milhões de pessoas dependem
direta ou indiretamente da pesca e da aquicultura no país. No entanto, a
última vez que o governo brasileiro publicou dados oficiais sobre a
pesca em nível nacional foi em 2011, usando os dados coletados em 2008.
"A pesca têm grande importância socioeconômica e precisamos de dados
para apoiar a tomada de decisões e o desenvolvimento de políticas
públicas para esses setores", disse Antônio Lezama, diretor de
conservação da Oceana no Brasil.
A falta de dados pesqueiros entrou em debate público no final de
2014, quando o Ministério do Meio Ambiente publicou uma lista vermelha
contendo 475 espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçados, que
incluiu muitos peixes marinhos de importância comercial. A lista criou
uma disputa entre conservacionistas e pescadores e, por isso, foi
suspensa e restaurada pela justiça, várias vezes depois de sua
publicação.
Para Mônica Peres, diretora da Oceana, a gestão pesqueira do país
está com uma venda nos olhos. “Explorar nossos recursos naturais
cegamente só levará nossas pescarias ao colapso", disse ela.
Em dezembro, a Oceana lançou uma campanha chamando a atenção para
essa questão. A iniciativa mobilizou a população do país a enviar
mensagens aos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura,
solicitando-os a retomar a produção e divulgação de dados para embasar a
gestão da pesca.
São Paulo: A exceção, não a regra
"A única forma de fazer uma avaliação das políticas públicas é
através da coleta de dados", disse Antônio Olinto, coordenador do
Programa de Monitoramento Pesqueiro do Instituto de Pesca de São Paulo.
"Se você estabelecer, por exemplo, uma época de defeso, como você sabe
se ele está mesmo funcionando? Como você pode saber se a sua estratégia
de gestão é adequada?"
São Paulo, por meio do Instituto de Pesca, é o único estado
brasileiro que tem monitorado continuamente suas pescarias desde 1960. O
trabalho do Instituto é tão crucial para o setor pesqueiro que, segundo
Olinto, os próprios pescadores artesanais utilizam os seus registos
como documentos oficiais sempre que têm de provar as suas capturas,
rendimentos e dias de trabalho.
"Nossos dados são a principal fonte de referência para muitos outros
órgãos governamentais, como administrações municipais e agências de
conservação estaduais", disse ele.
Apesar de São Paulo manter bom monitoramento dos desembarques
pesqueiros no estado, Olinto ressalta que a pesca oceânica exige
esforços nacionais. "O mesmo robalo capturado em São Paulo também é
pescado em Santa Catarina e no Rio de Janeiro. Os nossos dados são de
grande importância, mas são incompletos."
A ironia do petróleo
Paradoxalmente, a exploração de petróleo marinho na Bacia de Santos,
na metade sul da costa brasileira, proporcionou uma oportunidade para um
dos maiores esforços regional de coleta de dados em anos.
O Projeto de Monitoramento da Atividade Pesqueira (PMAP) reúne
institutos de pesquisa de quatro estados brasileiros — Rio de Janeiro,
São Paulo, Paraná e Santa Catarina — para produzir um censo pesqueiro da
bacia. Esta iniciativa é financiada pela Petrobras para cumprir uma
exigência de seu processo de licenciamento ambiental.
"Esses dados fornecerão a imagem mais precisa do setor pesqueiro na
região da Bacia de Santos até o momento", disse Paulo Ricardo Pezzuto,
professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), em Santa
Catarina, líder do projeto.
Pezzuto espera que o PMAP tenha uma vida própria depois de sua
conclusão. "Nosso objetivo é que esses dados tenham muito mais uso do
que apenas o licenciamento ambiental. Deve ser essencial para subsidiar
muitas outras análises científicas". Embora o PMAP esteja programado
para terminar em 2018, um site com os dados do projeto será
disponibilizado ainda em 2017.
Ele ponderou a ironia de um projeto de monitoramento tão grande
acontecer como um ramo da exploração de petróleo. "Obviamente, não
podemos ter um setor econômico inteiro dependente de um único processo
de licenciamento ambiental", disse Pezzuto. "Este projeto é extremamente
importante, e graças a Deus está acontecendo, mas deve ser concebido,
planejado e financiado pelas autoridades públicas competentes, nesse
caso do Ministério da Agricultura e do Ministério do Meio Ambiente".
A Oceana defende a criação de um instituto federal de pesquisa
pesqueira, que seria responsável pela coleta e análise dos dados da
pesca, além das recomendações científicas — um modelo adotado em países
como o Chile, que na opinião de Lezama possui boas práticas de manejo.
"Também poderíamos desenvolver a capacidade e a autonomia dos estados
costeiros para manejar as pescarias marinhas de pequena escala", disse
Peres. "Os órgãos federais poderiam, por exemplo, ser responsáveis pela
padronização, sistematização e divulgação dos dados coletados pelos
estados e pelo desenvolvimento de diretrizes e critérios para a gestão
da pesca costeira nos estados. O Brasil é um país enorme e me parece
impossível ter toda a gestão pesqueira centralizada em apenas uma
secretaria no Distrito Federal".
Olinto acrescenta que a força das instituições do Estado e a
estabilidade das equipes também são de extrema importância para o
monitoramento contínuo — para ele, foi isso que manteve o programa de
monitoramento do Instituto de Pesca paulista nas últimas seis décadas.
"Em todos esses anos, talvez seis ou sete pessoas coordenaram esse
processo. No extinto Ministério da Pesca, as equipes eram trocadas seis
ou sete vezes por ano. O monitoramento estatístico é um processo de
longo prazo. Precisamos ter continuidade para que funcione."
Fonte: Oceana Brasil, notícia veiculada em 20 de fevereiro de 2017
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