terça-feira, 5 de maio de 2015

Lama na praia do Cassino: resultado da dragagem ou consequência de fenômenos naturais?

Pesquisadores e ONG procuram respostas para o surgimento e soluções para amenizar os efeitos da lama, que já ocupa 7km da Praia do Cassino.
 Nos 7km afetados pela lama toda a morfodinâmica e biodiversidade foi alterada. Foto: Fábio Dutra/JA
Enquanto alguns defendem que a lama é resultante de processos morfodinâmicos de ambientes costeiros, outros veem o grande acúmulo de material como resultado de ações antrópicas, pois apesar da lama poder, sim, ser consequência de fenômenos naturais, a atual quantidade demonstra que há fatores ligados a ação do homem em sua incidência, como as dragagens do Porto.
Um grupo que defende esta ideia é formado pelo geógrafo Leandro Clavico – representando a Câmara Municipal -, pela bióloga Alice Ott Fonseca e pelo presidente da ONG Amigos da Natureza, Cleber Spy. Os três estiveram na redação do Jornal Agora para explicar a urgência de se achar respostas sobre a incidência da lama na praia do Cassino.
Segundo Leandro Clavico, em cerca de 40 dias deve ocorrer uma Audiência Pública na Câmara Municipal para discutir as medidas que devem ser tomadas perante o problema. “Devemos debater as medidas necessárias para estudar o impacto da lama no local. Discutir meios de amenizar os impactos, para que as próximas dragagens não causem o que vem causando”, explica.
Os três pesquisadores concordam que a dragagem é necessária, porém creem que os responsáveis pela dragagem devem escolher formas ecossustentáveis e ecologicamente responsáveis para gerir o descarte dos sedimentos.
De acordo com a bióloga Alice Ott Fonseca, o material sedimentar oriundo da dragagem é rico em nutrientes e poderia, sim, ser reutilizado de diversas formas e não simplesmente despejado no mar.
Próxima dragagem
A próxima dragagem do Porto deve acontecer no próximo mês – a última foi realizada nos meses de dezembro de 2013 e janeiro de 2014 – e o ambiente praial ainda não se recuperou dos efeitos da última interação. Desta forma, os pesquisadores temem pelas consequências da próxima dragagem já que, na última, foram lançados cerca de 3 milhões de metros cúbicos de sedimentos no mar e após, cerca de 3 meses, a lama começou a aparecer na praia.
Conforme a legislação, os materiais devem ser despejados a 10 milhas da costa – distância que é monitorada pelo transponder na draga – porém, segundo alguns relatos, após sair da Barra, a draga já começa a despejar os resíduos, soltando-os por todo o caminho, até alcançar a distância ideal. Talvez, desta forma, acelerando o retorno dos sedimentos para a Praia.
Os pesquisadores acreditam que a incidência da lama é uma soma de fatores, podendo ser ocasionado por fatores naturais, mas também parece existir uma correlação muito forte entre o sistema de dragagem ocorrendo de maneira errada com o aparecimento da lama.
Segundo Leandro “é importante ressaltar que se você largar 2 milhões de sedimentos de forma antrópica [ação antrópica é a ação do homem sobre o habitat e as modificações dela resultantes] no mar, o sistema não comporta, esse sedimento fica ali na forma de um bolsão e na primeira tempestade por conta dos fatores vento e correntes, esse sedimento acaba sendo levado para a Praia”.
A bióloga Alice alerta que uma das provas de que os sedimentos retornam à praia é a incidência de grãos de soja no ambiente praial e alguns arbustos – que antes não eram vistos – que foram notados na beira da praia. “Encontramos soja na praia e também árvores que não são espécies naturais daqui, isso é devido ao retorno desses sedimentos oriundos da dragagem”.

A situação precisa ser revertida
Nos últimos verões, foram muitos os veículos atolados na lama e os veranistas puderam perceber que a praia do Cassino não estava como de costume. Atualmente são 7km de praia em extensão, atingida pela lama, e nestes 7km toda a morfodinâmica natural e biodiversidade foi alterada, lá não existem mais grande diversidade de espécies, tampouco ondas são observadas após a incidência de lama nos locais.
Mas, segundo os três pesquisadores, se a próxima dragagem ocorrer de forma sustentável o ambiente praial tem chances de se recuperar – após algum tempo – e talvez voltar a apresentar as características anteriores. Porém se nada mudar, a incidência da lama só aumentará, a praia irá continuar se transformando e a cada dragagem serão afetados mais e mais quilômetros.
Interesse econômico
Segundo o presidente da Amigos da Natureza, Cleber Spy, os terminais que atuam no Porto não têm interesse em preservar a praia, apenas visam aos seus interesses econômicos. “Os terminais não são daqui, eles não têm interesse em preservar a nossa praia e nem a ajudar a recuperação. Isso tem que mudar, se a dragagem seguir nessa metodologia, não vamos resolver o problema”, comenta.
Sobre alternativas do que fazer com os sedimentos oriundos da dragagem, Cleber diz ser que é possível gerar renda com o material, que pode ser utilizado na fabricação de tijolos, pavimentação de ruas e também pode ser utilizado como aterro.
Cleber, que é morador do Cassino, conta ainda que duas semanas após as dragagens acontecerem, o cheiro na praia fica insuportável devido à morte – por sufocamento – de micro-organismos ocasionados pelo depósito de lama, “muitas pessoas acham que o cheiro é da própria lama, mas o cheiro é da decomposição dos micro-organismos”, conclui.
Fonte : Esther Louro, Jornal Agora, em 05/05/2015



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