Instituições brasileiras começam a adotar o identificador Orcid,
assinatura digital global para autores científicos e acadêmicos
Nos próximos meses, os 3,5 mil docentes da Universidade Estadual
Paulista (Unesp) serão convocados a se cadastrar no Orcid (sigla para
Open Researcher and Contributor ID) e passarão a ter um número de
identificação que servirá como uma assinatura digital no ambiente
científico global, sem risco de confusão com homônimos. Quando forem
submeter um artigo a uma revista científica, por exemplo, precisarão
apenas informar sua sequência particular de 16 números, como a de um
cartão de crédito, para que suas informações, tais como nome, assinatura
padronizada e afiliação, sejam preenchidas no formulário.
Essa é um das utilidades mais palpáveis do registro, mas suas aplicações
são mais amplas. Cada usuário pode, se quiser, construir um perfil
reunindo sua produção acadêmica, numa espécie de currículo acadêmico
certificado. Seus novos papers serão automaticamente
recuperados, pois o número de identificação único se conecta com bancos
de dados de revistas científicas e repositórios de instituições que se
afiliaram ao sistema. A produção científica pregressa também pode ser
resgatada. O usuário pode intercambiar dados entre perfis acadêmicos e
profissionais, tais como o ResearcherID, da empresa Thomson Reuters, o
Scopus e o Mendeley, da editora Elsevier, ou o LinkedIn. Dessa forma, um
currículo com informações certificadas pode se tornar acessível a
editores e revisores de revistas científicas, agências de fomento e
programas de avaliação.
O registro de autores é gratuito, mas instituições podem se afiliar à
plataforma, pagando uma taxa anual para integração de sistemas e
suporte. A intenção da Unesp é aperfeiçoar a identificação dos seus
afiliados no repositório institucional, que reúne dados sobre 92 mil
itens da produção científica de docentes e pesquisadores da instituição.
A construção do repositório partiu do zero há pouco mais de dois anos e
buscava atender a uma demanda da FAPESP para reu-nir, preservar e dar
acesso aberto à produção científica dos pesquisadores das três
universidades estaduais paulistas.
Esse esforço, diz Flavia Maria Bastos, coordenadora das bibliotecas
da Unesp e do programa de repositório institucional da instituição,
exigiu um trabalho minucioso de tratamento das informações disponíveis
em bases de revistas científicas e no currículo Lattes dos docentes para
identificar a produção de cada um deles, a despeito de não usarem uma
assinatura padronizada em todos os artigos – é comum, principalmente
quando o autor tem vários sobrenomes, que assinaturas apareçam com
abreviações diferentes. “Agora, quando um docente da Unesp publicar um
artigo científico, nosso sistema conseguirá recuperar imediatamente os
dados sobre esse paper e vinculá-lo à sua produção científica”, diz Flavia. “Com isso, teremos dados de qualidade sobre a produção de cada pesquisador, de cada unidade da
Unesp e da universidade como um todo. Ainda hoje, apesar dos esforços
para criar o repositório, temos parte da nossa produção oculta por
ambiguidade de nomes de pesquisadores e da própria Unesp, cuja sigla às
vezes é confundida com a da USP e até da Universidade Paulista, a Unip.”
Trabalho de coleta
A Unesp é a primeira instituição brasileira a se afiliar ao Orcid, mas
em breve deverá ter companhia. A Universidade de São Paulo (USP) também
planeja afiliar-se em 2016. Com um repositório criado em 1985 que
congrega mais de 700 mil registros da produção intelectual de seus
pesquisadores, inclusive cópias físicas, a USP pretende, com o cadastro
universal, tornar automática a recuperação da produção científica,
facilitando o trabalho de coleta. Hoje, a equipe do Sistema Integrado de
Bibliotecas (SIBi) da USP cadastra o nome de cada um dos pesquisadores
em bases de dados de publicações científicas para receber mensagens de
alerta quando seus artigos científicos são publicados. O passo seguinte é
baixar uma cópia do documento e preservá-lo no repositório. “Queremos
usar o Orcid para facilitar o rastreamento e trazer os metadados das
várias fontes que se interligam por meio de número de identificação
único, como o ResearcherID. Essa ferramenta possibilitará que a universidade monitore sua produtividade intelectual por meio dos
indicadores”, diz Maria Fazanelli Crestana, coordenadora do Sistema
Integrado de Bibliotecas da USP.
O Orcid é uma organização sem fins lucrativos que reúne registros de
1,78 milhão de pesquisadores, principalmente nos Estados Unidos e na
Europa. Cerca de 28 mil brasileiros já se cadastraram. Em maio passado, a
organização criou um escritório em São Paulo para ampliar sua presença
na América Latina que, além do acordo recente com a Unesp, já obteve
afiliações da biblioteca virtual Red de Revistas Científicas de América
Latina y el Caribe, España y Portugal (Redalyc), sediada no México, e do
Consejo Nacional de Ciencia, Tecnologia e Innovación Tecnológica, órgão
de planejamento científico do governo do Peru que quer integrar o Orcid
ao currículo dos pesquisadores do país. “Estamos conversando com
autoridades brasileiras sobre a possibilidade de integrar ao Orcid os
dados da Plataforma Lattes, que reúne mais de 4 milhões de currículos de
pesquisadores e estudantes brasileiros”, diz Lilian Pessoa,
historiadora formada na USP que se tornou representante do Orcid
para a América Latina.
A plataforma foi criada nos Estados Unidos em 2011 com a intenção de
contornar um problema que atrapalha universidades, editoras de
publicações científicas e bibliotecas: a dificuldade de distinguir
autores com sobrenomes muito comuns e identificar sua contribuição
acadêmica. O peso crescente da China na ciência internacional tornou
ainda mais desafiadora a tarefa de identificar a produção de homônimos.
Ocorre que 85% da população chinesa compartilha um conjunto de pouco
mais de uma centena de sobrenomes. “O Orcid resolve o problema da
ambiguidade, pois não há dois pesquisadores com o mesmo número de
identificação”, diz Lilian Pessoa. “Se uma pesquisadora muda de
sobrenome quando se casa, seu Orcid vai permanecer o mesmo e ela não
terá dificuldades em identificar sua produção”, explica Antonio Álvaro
Ranha Neves, professor da Universidade Federal do ABC, entusiasta da
nova plataforma que se registrou em 2013 e se tornou embaixador da
iniciativa no Brasil. A função, de caráter voluntário, consiste em
disseminar seu uso no ambiente acadêmico. “É possível usar o Orcid
inclusive para identificação de autores em seus sites pessoais e blogs.”
A ideia de um cadastro individual para os pesquisadores não é nova. A
empresa Thomson Reuters criou em 2008 o ResearcherID, código que
identifica pesquisadores e congrega sua produção científica registrada
na base de revistas Web of Science (WoS). A editora Elsevier, que mantém
a base de revistas Scopus, lançou o similar Scopus Author Identifier,
assim como o Google desenvolveu o Google Scholar ID, que captura a
produção científica de várias fontes na internet e constrói perfis de
pesquisadores, oferecendo inclusive indicadores como citações e
índice-h. “Essas iniciativas tinham uma limitação. No caso do
ResearcherID e do Scopus, pertencem a empresas que buscam vender
serviços e indicadores e seus resultados são abertos só para
assinantes”, diz Neves. “Além disso, baseiam-se num conjunto específico
de revistas, as indexadas em cada base de dados, e não em toda a
produção.”
Egressos
A vantagem do Orcid sobre os outros sistemas é ter um registro capaz de
recuperar dados de qualquer fonte que aceite o identificador como
referência, incluindo os bancos de dados de revistas indexadas,
repositórios institucionais, bancos de teses e até perfis de redes
sociais acadêmicas. A plataforma foi criada com o apoio de editoras
científicas, como as do grupo Nature, interessadas em melhorar o fluxo e
fidedignidade dos metadados (dados sobre os dados) de artigos
científicos e facilitar o trabalho dos editores e revisores na avaliação
de manuscritos. Várias universidades se juntaram à iniciativa, como
Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados
Unidos. “A Boston University adotou o Orcid não só para seus professores
e pesquisadores, mas até mesmo para alunos de graduação. Com isso,
busca avaliar a produção dos egressos e acompanhá-los em sua trajetória
profissional”, diz Antonio Neves.
Em países como Portugal e Itália, o Orcid foi adotado por órgãos de
governos para identificar a produção dos pesquisadores. O recurso ganha
adeptos no Reino Unido, onde o Higher Education Funding Council for
England (Hefce), um dos órgãos responsáveis pela cara e minuciosa
avaliação das universidades que acontece a cada cinco anos, passou a
encorajar pesquisadores a criarem seus registros e tornarem mais visível
sua produção. Instituições de fomento, como os Institutos Nacionais de
Saúde, dos Estados Unidos, e o Welcome Trust, do Reino Unido,
introduziram o registro em seus sistemas de avaliação e passaram a
exigir o número de identificação dos pesquisadores que apresentam
pedidos de financiamento.
Para Abel Packer, coordenador da biblioteca digital brasileira
SciELO, que reúne 280 revistas em regime de acesso aberto, a adoção do
Orcid é uma tendência irreversível, mas a velocidade com que isso
acontece ainda é lenta. “O crescimento tem sido constante, mas não foi o
boom que se esperava”, afirma. O formulário de submissão de
manuscritos de mais de uma centena de revistas do SciELO tem um campo
opcional para a inclusão do Orcid. “Mas apenas 5% dos autores informam
seus dados, proporção que se repete em revistas de outros países”,
afirma. O ideal, diz Packer, é que revistas científicas e agências de
fomento tornassem obrigatória a inclusão do registro. “O Orcid só se
tornará consenso, como o sistema de identificação DOI se tornou para
identificar artigos científicos, se for obrigatório. A grande adesão à
Plataforma Lattes se deu quando ela se tornou mandatória para os
estudantes de pós-graduação e docentes”, afirma. “Mas muitas revistas
científicas resistem em exigir o registro porque temem espantar autores.”
A consolidação do Orcid é lenta, na avaliação de Packer, porque
muitos autores ainda não perceberam a utilidade no uso do registro assim
como as universidades, editoras e agências. “Um grande contingente de
pesquisadores mantém perfis em redes sociais científicas, como o
ResearchGate, a Academia.edu e o Mendeley, onde reúnem e tornam públicos
seus trabalhos científicos. Para muitos deles, inscrever-se no Orcid é
apenas uma tarefa a mais para atingir o mesmo objetivo”, diz.
Para Packer, um passo fundamental para disseminar o Orcid no Brasil é
integrá-lo à Plataforma Lattes. “Para os pesquisadores brasileiros,
seria bastante útil se a informação que eles já registraram no currículo
Lattes fosse recuperada de forma automática pelo Orcid”, afirma o
coordenador do SciELO, para quem o Lattes precisa urgentemente se
reinventar. “A plataforma brasileira precisa de uma inovação radical
para não ficar para trás. Desenvolveu-se como uma base de currículos
única e exemplar no mundo, mas nos últimos anos deveria ter se tornado
uma rede social por meio da qual os pesquisadores pudessem fazer networking
e trabalhar em redes, a exemplo do que aconteceu com Mendeley ou
ResearchGate. A perda de espaço do Lattes e as barreiras que se impõem
ao acesso e intercâmbio de dados é algo trágico e revela a dificuldade
do Brasil em inovar”, afirma.
Fonte: Revista FAPESP Edição 238 de dezembro de 2015, por Fabrício Marques
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