Circulação de água no Oceano Atlântico pode explicar baixos níveis de CO2 atmosférico no Último Máximo Glacial.
Paisagem do Oceano Atlântico vista de Salvador
Condições muito específicas durante o Último Máximo Glacial, entre 23
mil e 19 mil anos atrás, permitiram ao Oceano Atlântico armazenar uma
grande quantidade de carbono. Um estudo publicado nesta sexta (3/6) na revista Nature Communications
desvendou essas particularidades, contrariando noções anteriores de
como as águas marinhas circularam no passado. “É uma mudança conceitual
dramática na forma como pensamos o Atlântico e seu funcionamento”,
afirma o geólogo Cristiano Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), um dos autores do
estudo cujo primeiro autor é o químico ambiental neozelandês Jacob Howe,
que há poucos meses defendeu o doutorado na Universidade de Cambridge,
no Reino Unido.
A sugestão de que o oceano sequestrou e armazenou o gás carbônico (CO2)
que não estava na atmosfera durante a era do gelo não é nova. O que
faltava era saber como as massas de água puderam aprisionar uma
quantidade tão grande de carbono. A principal hipótese vigente era que a
Água de Fundo Antártica (AFA), tão densa que desce para as zonas mais
profundas do oceano, estaria mais disseminada até em profundidades
menores e seria o principal armazém. Isso porque águas mais frias têm
maior capacidade de dissolver o gás.
Mas a análise de 24 testemunhos do fundo do oceano coletados em
diferentes profundidades, espalhados por todo o Atlântico, agora revela
que não foi isso que aconteceu. Os pesquisadores construíram um mapa da
circulação de águas com ajuda de isótopos de neodímio, um elemento do
grupo das terras-raras, que funcionam como assinaturas da origem das
massas de água nos diferentes oceanos. Chiessi explica que a razão entre
os isótopos (ou variedades) 143 e 144 do neodímio em amostras de água
são mais negativas em áreas caracterizadas por rochas antigas, como
aquelas que circundam o oceano Atlântico. Já o Pacífico, rodeado por
vulcões ativos, é geologicamente jovem e tem essa razão próxima de 0. A
região antártica sofre uma mistura de influências, com uma assinatura
mais semelhante à do Pacífico.
A análise desses isótopos mostrou que, na verdade, no Último Máximo
Glacial as águas produzidas em torno do polo Sul estavam – como hoje –
restritas às zonas mais profundas, e que continuou a haver um aporte de
Água Profunda do Atlântico Norte (APAN). “Essas águas frias afundam e se
movem para o sul por um trajeto predominantemente horizontal, por
milhares de quilômetros”, explica Chiessi. Essa viagem do norte ao sul
do Atlântico leva centenas de anos, durante os quais as águas profundas
recebem uma “chuva” de restos de organismos fotossintetizantes, repletos
de carbono, que afundam desde a superfície. Como essas águas não fazem
trocas gasosas com a atmosfera, em média 2 mil metros acima, elas
guardam esse carbono enquanto permanecem no fundo.
O estudo publicado esta semana mostra que durante o Último Máximo
Glacial as águas do Atlântico Norte se formaram predominantemente ao sul
da Islândia, uma zona de temperaturas mais altas do que a região entre o
Canadá, a Groenlândia, a Islândia e a Noruega mais recentemente
responsável por produzir a APAN. O resultado é que essas águas, não tão
frias, seguiam seu trajeto para sul por profundidades intermediárias,
deixando o fundo do oceano para águas geladas que ficavam praticamente
estagnadas por ali, sem transportar o carbono de volta à superfície. Uma
dinâmica muito diferente da que se observa hoje.
O Último Máximo Glacial é especialmente interessante para quem se
preocupa com as mudanças atualmente em curso no clima. “A concentração
atmosférica de CO2 era 90 partes por milhão menor do que logo
antes da revolução industrial, e a temperatura da superfície dos
oceanos era 1,9 graus Celsius mais fria”, explica Chiessi. É uma
diferença de temperatura bastante parecida com o que se espera de
aumento até o final do século. Para ele, se os modelos climáticos
conseguirem reproduzir o passado, aumenta a confiança nas suas projeções
para o futuro.
E podem, também, indicar estratégias de emergência. “Na ausência de
uma transição mais efetiva para menores emissões de gases de efeito
estufa, o que é absolutamente necessário, pode haver a necessidade de
lançarmos mão de medidas de geoengenharia”, imagina. Ele se refere a
métodos de retirada ativa e armazenamento de carbono, dos quais o mais
comum é o reflorestamento. “Não envolve necessariamente alta tecnologia,
mas não deixa de ser geoengenharia.” Métodos mais drásticos, e mais
arriscados, podem envolver injetar o excesso de CO2 em reservatórios, como o fundo dos oceanos.
O Projeto
Resposta da porção oeste do Oceano Atlântico às mudanças na circulação
meridional do Atlântico: variabilidade milenar a sazonal (nº 2012/17517-3); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais – Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Cristiano Mazur Chiessi (EACH-USP); Investimento R$ 2.416.362,50.
Artigo Científico
HOWE, J. N. W. et al. North Atlantic Deep Water production during the Last Glacial Maximum. Nature Communications, v. 7, art. 11765. 3 jun. 2016. (Artigo disponível no Portal Periódicos CAPES)
Fonte: Pesquisa Fapesp nº 244 de junho de 2016
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