terça-feira, 19 de julho de 2016

Sons submarinos

Hidrofones revelam a paisagem sonora do fundo do mar 


MARCOS DE OLIVEIRA | ED. 242 | ABRIL 2016

Para assistir ao vídeo clique AQUI.
No Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, distante 42 quilômetros da costa, é proibido pescar. O local serve para reprodução de organismos aquáticos e permite-se apenas o mergulho com guias em dias e horários delimitados. Como essa determinação nem sempre é seguida, a equipe do professor Linilson Padovese usa o local para testar um equipamento autônomo de monitoramento acústico submarino instalado no fundo do mar, desenvolvido no Laboratório de Dinâmica e Instrumentação (Ladin) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). “Detectamos, por exemplo, o ruído dos motores dos barcos entre 20h30 e 23 horas. Os pescadores chegam, desligam o motor, demoram de duas a três horas e vão embora”, diz Padovese.

O equipamento é composto por um hidrofone, uma espécie de microfone especial para captar ondas sonoras embaixo d’água, além de um conjunto eletrônico de gravação e baterias. “O teste na Laje de Santos foi um dos primeiros experimentos que realizamos com o aparelho”, diz Padovese. Tudo começou quando o pesquisador pensava em estudar o processamento de sinais acústicos marinhos, uma área ainda incipiente no Brasil. “O problema é que não existe fábrica de hidrofones e de equipamentos para hidroacústica no país e, no exterior, os aparelhos custam entre US$ 5 mil e US$ 30 mil, dependendo da configuração e uso.” Outro empecilho é que os hidrofones mais sofisticados, por terem uso militar em navios e submarinos, sofrem restrição comercial, precisando da autorização de venda dos governos onde estão as fábricas.

Padovese decidiu então desenvolver tecnologia própria nessa área. “Projetamos um gravador eletrônico, de baixíssimo consumo de energia, que registra os sons em cartões SD, iguais aos de câmeras fotográficas, que é instalado com pilhas alcalinas em um recipiente cilíndrico vedado”, explica. “Fizemos alguns exemplares que foram cedidos, em parceria, para grupos de pesquisa e estamos monitorando experimentalmente a Laje de Santos e Alcatrazes [arquipélago no litoral norte paulista integrante da Estação Ecológica Federal Tupinambás, onde também não é possível pescar e navegar nas proximidades].” Esses últimos possuem quatro cartões SD com capacidade para 128 gigabytes (GB) cada e pilhas para uma autonomia de até cinco meses de monitoramento contínuo. “O equipamento pode ser programado para realizar uma gravação contínua ou agendada”, diz. Com essa estratégia, é possível manter o equipamento embaixo d’água por até um ano. O aparelho foi testado em relação à vedação em até 300 metros de profundidade, mas a instalação e a retirada na Laje de Santos e em Alcatrazes foram realizadas por mergulhadores a 20 metros.

Saber o horário de invasão do espaço marítimo do parque marinho facilita a abordagem das lanchas de fiscalização da Fundação Florestal, da Secretaria do Meio Ambiente estadual, gestora do Parque da Laje de Santos, ou da Polícia Militar Ambiental. “Também já pensamos em um sistema de monitoramento acústico submarino em tempo real, com a conexão do hidrofone a um equipamento de transmissão por rádio a partir da Laje até a sede da fundação em São Vicente [SP]”, diz Padovese.

Para o gestor do Parque da Laje de San-tos, José Edmilson Mello Júnior, o hidrofone mostrou-se importante para a fiscalização e proteção ambiental. “O local é uma unidade de conservação de proteção integral e se a fiscalização parar um barco, mesmo que esteja apenas passando com apetrechos de pesca, os ocupantes podem ter os equipamentos apreendidos e recebem multa”, explica Mello Júnior. Padovese conta que é possível registrar e estudar vários outros tipos de eventos acústicos, alguns a muitos quilômetros de distância – na água, o som viaja quase cinco vezes mais rápido e pode ser detectado a distâncias muito maiores do que no ar. Vocalizações de baleias e movimentos de cardumes de peixes podem ser identificados. Em geral, os dados são estudados na forma de gráficos, chamados de espectrogramas, que mostram como o conteúdo de frequências acústicas varia com o tempo.


Processamento de dados

 
O volume de dados obtidos com um hidrofone é grande. Para processar as informações, o grupo da Poli desenvolveu um software que permite essa visualização tempo-frequência do som e possibilita o reconhecimento de padrões de sinais. Os pesquisadores conseguem, por exemplo, identificar diferentes espécies de peixes utilizando apenas esses sinais acústicos, assim como de baleias, que têm um registro bem característico das vocalizações. No caso particular de cardumes de peixes, associar os diferentes padrões acústicos com as espécies ainda depende de um estudo multidisciplinar, com pesquisadores das áreas de biologia, oceanografia ou ciências do mar.



Para Mello Júnior, a necessidade inicial é fazer um levantamento dos animais que frequentam a Laje, como as baleias e golfinhos. “Três ruídos podem atrapalhar a vida desses mamíferos na bacia de Santos: a prospecção de petróleo na região do pré-sal, o emissário submarino [que leva o esgoto tratado para o alto-mar] e a área relacionada ao fundeio de navios do Porto de Santo.” Padovese estabeleceu uma parceria e cedeu os hidrofones para um grupo que estuda baleias jubarte (Megaptera novaeangliae) no município de Uruçuca, próximo a Ilhéus (BA). “Acompanhamos visualmente entre julho e novembro as baleias a partir de um morro na serra Grande a 90 metros acima do mar. O registro acústico com o equipamento foi importante porque complementa o visual, principalmente nessa fase em que elas estão parindo e nadam com os filhotes”, diz Júlio Baumgarten, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), de Ilhéus. Duas vezes no ano foram instalados três aparelhos no fundo do mar capazes de fazer o registro acústico de uma área de cerca de 200 quilômetros quadrados. “Com a gravação podemos acompanhar a atividade das baleias inclusive à noite”, diz.

O equipamento autônomo para uso no fundo do mar já está pronto, teve financiamento da FAPESP e é similar aos que existem no exterior. Padovese estima que o modelo construído por sua equipe custaria no mercado entre US$ 2 mil e US$ 4 mil. A tecnologia desenvolvida também está sendo utilizada e otimizada em parceria com o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), no Rio de Janeiro.

“Tem crescido muito a demanda por estudos de impacto de ruído acústico submarino na fauna marinha, gerados por empreendimentos, como ampliações de portos, rios e hidrelétricas”, diz Padovese. Além de continuar a agregar informações ao software de processamento de sinais, ele tem incentivado seus alunos a estruturar uma empresa. “A ideia é prestar serviços em acústica submarina nas áreas de infraestrutura e pesquisa científica. Mas também há perspectivas para uma associação com uma indústria de equipamentos eletrônicos, que demonstrou interesse na comercialização desses aparelhos. São planos que ainda estão sendo avaliados.”

Projetos

1. Observatório Acústico Submarino para Monitoramento de Parques Marinhos (n° 2012/04785-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Linilson Rodrigues Padovese (USP); Investimento R$ 238.194,70 e US$ 24.207,17.

2. Plataforma de sensoriamento acústico submarino para redes de monitoramento (n° 2012/23016-7); Modalidade Bolsa no País – Regular – Pós-doutorado; Bolsista Manuel Alfredo Caldas Morgan (USP); Pesquisador responsável Linilson Rodrigues Padovese (USP); Investimento R$ 166.859,21.


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