Autora de estudo inédito que será apresentado por cientistas da UFRJ
 na Conferência do Clima da ONU, que ocorre no Marrocos, chama atenção 
de prefeitos para debate sobre clima.
Ricardo Senra
BBC Brasil
 Suzana Kahn, uma das autoras do estudo do Painel Brasileiro de 
Mudanças Climáticas da UFRJ: "É preciso se aproximar do 
cidadão, da população. Quando se fala de metas, é difícil o engajamento 
da sociedade, até para cobrar." (Foto: Stefano Aguiar/PBMC )
 Um relatório que será apresentado por pesquisadores da UFRJ (federal do
 Rio) durante a COP-22 - a conferência do clima da ONU, que começa nesta
 segunda-feira no Marrocos -, alerta prefeitos para impactos dramáticos 
do aquecimento em cidades brasileiras.
 Segundo os pesquisadores do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas 
(PBMC), os municípios que não mudarem a forma com que lidam com água, 
transportes e gestão de lixo e resíduos enfrentarão problemas como 
desabastecimento e energia, hospitais superlotados, inundações e 
desmoronamentos, com impactos mais fortes nas regiões mais pobres.
À BBC Brasil, a engenheira Suzana Kahn, uma das autoras do estudo, diz 
que nota um abismo entre as discussões globais sobre clima, feitas hoje 
em cerimoniosas reuniões entre diplomatas, parlamentares e chefes de 
Estado, e a "vida real" das cidades.
 "Há uma frustração. É tudo muito lento e isso gera um pouco de desânimo
 para quem acompanha. Se cria uma expectativa de solução e não é fácil 
mesmo. Coisas importantes acontecem, mas elas são pouco perceptíveis de 
longe", diz Kahn.
 Por isso, ela explica, o estudo brasileiro analisou centenas de 
documentos e se concentra nas cidades e responsabilidades de prefeitos 
para consequências já perceptíveis do aquecimento global.
 "Os centros urbanos são responsáveis pelo consumo de 70% da energia 
disponível e por 40% das emissões de GEE", afirma o relatório.
 "As prefeituras precisam não apenas de inventários e propostas. Ainda 
estamos muito distantes da ação e isso tem que mudar", completa Kahn.
 No Nordeste, por exemplo, a vazão menor de rios como o São Francisco e a
 migração acelerada para zonas urbanas contribuem para apagões que, por 
sua vez, trazem aumento de preços e falta d'água.
 No Sul e Sudeste, o aumento do calor e das chuvas provoca enchentes e 
epidemias, como a explosão do vírus Zika e de doenças respiratórias.
 "Os poderes municipais, locais, precisam estar em sintonia com os 
países. Não tem sentido o Brasil traçar um plano de ação sem ter em 
conjunto os planos de cada município, que é onde estão as pessoas 
expostas aos riscos", diz a cientista.
Desafios da COP-22
 A última grande decisão mundial sobre clima foi tomada no ano passado, 
quando 195 países e a União Europeia ratificaram o Acordo de Paris, se 
comprometendo a manter o aumento da temperatura média do planeta "muito 
abaixo de dois graus" em relação aos níveis anteriores à 
industrialização.
 Hoje, segundo o Observatório do Clima, corremos o risco de chegar a 
2030 com o aumento "numa trajetória de 3ºC, algo incompatível com a 
civilização como a conhecemos".
 "Está todo mundo contente, foi ratificado o Acordo de Paris e isso 
eleva o ânimo da tropa", afirma a pesquisadora da UFRJ. "Mas pôr isso em
 funcionamento é outra história."
 A principal missão da COP-22 será definir uma data-limite para que se 
decidam as regras de aplicação do acordo. Um dos principais desafios é a
 obtenção de um consenso sobre como os compromissos firmados por um país
 poderão ser fiscalizados pelos demais.
 "Como regular, como reportar as reduções, como fazer a contabilidade 
financeira do fundo. Essa COP-22 é a primeira a discutir essas regras. 
Ela não vai trazer nenhum resultado, não vai ter 'notícia' nenhuma. São 
movimentos incrementais, discussões sucessivas que vão construindo o 
processo."
 Daí, diz Suzana Kahn, a importância de compartilhar responsabilidades com prefeituras, que estão na ponta deste processo.
 Entre as sugestões práticas para prefeitos estão mudanças urbanas que 
permitam a redução de viagens motorizadas e o deslocamento de 
mercadorias (levar empregos do centro para os bairros onde as pessoas 
vivem, por exemplo), incentivo ao uso de bicicleta e uso de 
biocombustíveis.
 O relatório também destaca mudanças que podem ser estimuladas dentro de casa.
 "Desligar equipamentos quando não houver uso, manter fechados os 
ambientes com temperatura condicionada e dimensionar adequadamente 
velocidade de ventiladores e temperatura de condicionadores de ar; 
desligar aparelhos em standby, usar "tomadas inteligentes", que possuem 
interruptores próprios pode facilitar essa ação, substituir lâmpadas 
fluorescentes por LED; construir e reformar casas, considerando uma 
participação maior de iluminação natural", entre outros.
 "É preciso se aproximar do cidadão, da população. Quando se fala de 
metas, é difícil o engajamento da sociedade, até para cobrar."
Crise ajuda a atingir metas, diz estudo
 A estimativa das Nações Unidas é de que 91% da população brasileira 
viva em regiões urbanas nos próximos três anos - no último Censo, de 
2010, o índice era de 84%.
 O problema é que, hoje, segundo o relatório dos pesquisadores da UFRJ, 
mais da metade dos municípios já precisa de novas fontes de água.
 Enquanto isso, até 2030, segundo os pesquisadores, "estima-se um 
aumento de 9% no consumo de eletricidade no setor residencial e de 19% 
no setor de serviços".
 Os impactos das mudanças climáticas na saúde são os mais alarmantes. "O
 aumento de inundações e secas causará efeito devastador sobre a saúde, 
especialmente nas pessoas que vivem em comunidades mais sensíveis", diz o
 estudo.
 "Com esse cenário, doenças como malária e dengue, mais incidentes nos 
países de clima tropical, são alguns dos problemas de saúde pública 
decorrentes do aquecimento global. As intensas ondas de calor também 
podem ter impacto nas doenças crônicas, como problemas 
cardiovasculares", prossegue o texto.
 A ironia é que a crise econômica tem ajudado a desacelerar os impactos destas transformações.
 "É por conta dela (da crise) que provavelmente vamos atingir nossas 
metas com mais facilidade. Crise reduz consumo, reduz energia... isso 
diminui a pressão sobre o uso dos nossos recursos naturais."
'Estado gasta muito e mal no Brasil'
 Ao ratificar o acordo de Paris, o Brasil se compromete a cortar 
emissões de gases em 37% até 2025 e se propõe a aumentar a redução para 
43% em 2030, tudo em comparação com níveis de 2005.
 O país também se comprometeu a reconstruir 12 milhões de hectares de 
florestas e levar o desmatamento da Amazônia Legal (como o governo 
denominou uma área que abriga todo o bioma Amazônia brasileiro e partes 
do Cerrado e do Pantanal e engloba os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, 
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão) a 
zero até 2030.
 Mas como investir em tudo isso em meio à maior crise financeira e política dos últimos tempos?
 A pesquisadora explica que a maior parte das transformações não exige 
investimentos gigantes, como a construção de novas usinas ou redes de 
metrô.
 "Há uma série de lobbies no Brasil, uma forma muito tradicional de 
fazer política sem pensar no interesse coletivo. E sempre se olha para 
um horizonte de muito curto prazo. Estas são coisas que ultrapassam 
quatro anos de mandato", diz.
 "Se você pegar o orçamento inteiro de uma cidade, verá a quantidade de 
dinheiro que vai para manutenção da máquina do Estado. O Estado gasta 
muito e gasta mal com ele mesmo. Investir em gestão de recursos naturais
 e resíduos não vai impactar tanto nos recursos municipais."
"A questão é muito mais política que financeira", conclui.
Fonte: 
G1 Natureza